quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Inglória

(...) quantas vezes aconteceu mostrarmo-nos como quem somos, e não valeu a pena, não estava lá ninguém para ver.
José Saramago

O nosso lugar

Entre nós, não havia distância poque eramos atravessados um pelo outro. Faziamos parte de um lugar infinito que era igual em cada um de nós. Não eramos fronteiras dentro desse lugar, porque esse lugar não tinha fronteiras. Esse lugar era infinito. Esse lugar era o amor nos nossos olhos.

José Luis Peixoto

Todo o tempo**

O tempo que passo procurando as palavras exactas do inexacto momento em que te ouvi pela primeira vez.
O tempo, infinito tempo, em que te abracei.
O tempo das memórias.
O tempo da tua voz.
O tempo, inacessível tempo, dos nossos beijos.

Inatingível tempo do Nós.

O tempo das memórias fingidamente esquecidas do futuro tempo sonhado.
O tempo das lágrimas, queridas lágrimas.
O tempo da incerteza.
O tempo do carinho.
O tempo do nada e da tristeza, na tua ausência.

Este tempo em que te digo:
- Fala-me, não pares de falar. Ouvindo-te tenho a certeza de que sou real, e de que também tu és, fora de mim, real.

Manuel António Pina


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**És parte de mim, longe de mim... fazes-me falta

ES

Não é Música

Não é música o que ouvimos.
Não é de água este brilho de prata.

Eu estou aqui sobre as pontes do rio.
Outros são os que espreitam pela bruma das margens.

Talvez me lembre:
tu vinhas devagar pelo lado das acácias.
Cingias cada árvore e as colunas, os braços de um
deus cruel, o saber dos templos.

Não é um salmo o que ouvimos.
Não é de harpas este lamento,
não é o ofício das mãos esculpindo um rosto,
não é a palavra de deus que ecoa nas escarpas.

Algures te ocultas e não deixas sinais.
Quem és tu
cujo perfil se desvanece, cuja doçura se perde nos
confins da tarde?

Eu estou aqui onde se unem as margens, onde escurecem
as sendas e as sombras,
onde correm as nuvens, as pedras, as águas.

Outros são os que te aguardam pelo lado das acácias.


José Agostinho Baptista