sábado, 25 de outubro de 2008

Lembranças **

Lembro-me de como batia
No meu peito, o coração enquanto te esperava
Lembro-me das mãos suadas,
Do primeiro olhar trocado,
Do beijo terno á chegada

Lembro-me do calor das tuas mãos nas minhas,
De como falámos, de mim, de ti
Sem nos darmos conta do tempo;
Lembro-me dos primeiros beijos
Ainda receosos do que estava por vir

Lembro-me depois como nos abraçámos
Como nos despimos na ânsia e na pressa
De nos encontrarmos no branco da cama
pele na pele, toque electrizante;
Do teu cheiro, do teu sabor
Magicamente já conhecidos.

Lembro-me como sentimos
Que aquela não era a nossa primeira vez,
Como antecipámos cada toque, cada gesto
Um do outro;
Como me senti, como te senti em mim
Sabendo que ali era o meu lugar
Lembrando-me de nunca te esquecer

Lembranças vivas na minha memória
Como tu
Como nós!!

Zazé
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** Para sempre só nossas
ES

Beijo

Um beijo em lábios é que se demora
e tremem no abrir-se a dentes línguas
tão penetrantes quanto línguas podem.
Mas beijo é mais. É boca aberta hiante
para de encher-se ao que se mova nela.
É dentes se apertando delicados.
É língua que na boca se agitando
irá de um corpo inteiro descobrir o gosto
e sobretudo o que se oculta em sombras
e nos recantos em cabelos vive.
É beijo tudo o que de lábios seja
quanto de lábios se deseja.

Jorge de Sena

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Simples

A mim,
basta-me o espanto da flor que murcha
quando,
no mesmo ramo,
outra flor expande as pétalas ao sol.

Al Berto

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Espaço Disponivel

Deito-me no
teu corpo
como se fosses
a minha última cama
no meu quarto de hóspede dos dias.
Deito-me e
velo
a criança lúcida
que dorme reclinada
na orla marítima do silêncio.
Ali onde o
tempo
se anula e renova
na substância palpável
dum gesto ou dum olhar
colhidos sobre a água
construo a minha casa,
habito o espaço inteiro
disponível para a vida,
necessário para a morte.

Albano Martins

Ouvir-te

Dá-me a tua mão:
Vou agora te contar
como entrei no inexpressivo
que sempre foi a minha busca cega e secreta.
De como entrei
naquilo que existe entre o número um e o número dois,
de como vi a linha de mistério e fogo,
e que é linha sub-reptícia.

Entre duas notas de música existe uma nota,
entre dois factos existe um facto,
entre dois grãos de areia por mais juntos que estejam
existe um intervalo de espaço,
existe um sentir que é entre o sentir
- nos interstícios da matéria primordial
está a linha de mistério e fogo
que é a respiração do mundo,
e a respiração contínua do mundo
é aquilo que ouvimos
e chamamos de silêncio.

Clarice Lispector

Ofício de Amar

Já não necessito de ti
Tenho a companhia nocturna dos animais e a peste
Tenho o grão doente das cidades erguidas no princípio
De outras galáxias, e o remorso.....

.....um dia pressenti a música estelar das pedras
abandonei-me ao silencio.....
é lentíssimo este amor progredindo com o bater do coração
não, não preciso mais de mim
possuo a doença dos espaços incomensuráveis
e os secretos poços dos nómadas

ascendo ao conhecimento pleno do meu deserto
deixei de estar disponível, perdoa-me
se cultivo regularmente a saudade do meu próprio corpo.

Al Berto

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Lembrar-te

Queria falar contigo
dizer-te apenas que estou aqui,
mas tenho medo,
medo que toda a música cesse
e tu não possas mais olhar as rosas.
medo de quebrar o fio
com que teces os dias sem memória.

Eugénio de Andrade

sábado, 11 de outubro de 2008

Sem Alcance

Como hei-de saber o que desejo,
Se tudo o que não tenho me apetece?...

Miguel Torga

Entre Mundos


Que afago virá
sossegar-me o coração
e que luz por entre as brumas
me fará, por fim, saber
o sentido inaudito
do que me ata aos dias.....

eu que nada sei
eu que acordei com o sopro
e me disse com o primeiro grito
eu que resisti ao mundo,
antes de o saber azul e bordado de fragas
e entranhado de lume

não sei o que virá acordar-me
do sossego se vier ...
e que caminho acharei depois de ter caminhado
por entre urzes e gritos e o desatino do mundo.

E depois o que virá? Sabê-lo de que me serve
se hoje é o tempo todo e isto que sou e sinto
o que devo sentir e ser.


Angela Santos

(Desas)Sossego

Ah, não estar parado nem a andar,
Não estar deitado nem de pé,
Nem acordado nem a dormir,
Nem aqui nem outro ponto qualquer,
Resolver a equação desta inquietação prolixa,
Saber onde estar para poder estar em toda a parte,
Saber onde deitar-me para estar passeando por todos as ruas...

Alvaro de Campos

Tudo. Tudo Sinto.

Multipliquei-me, para me sentir,
Para me sentir, precisei sentir tudo,
Transbordei, não fiz senão extravasar-me,
Despi-me, entreguei-me,
E há em cada canto da minha alma um altar a um deus diferente.

Alvaro de Campos

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Recusa

Todo o amor do mundo não foi suficiente porque o amor não serve de nada.
Ficaram só os papéis e a tristeza, ficou só a amargura e a cinza dos cigarros e da morte.
Os domingos e as noites que passámos a fazer planos não foram suficientes e foram demasiados porque hoje são como sangue no teu rosto, são como lágrimas.
Sei que nos amámos muito e um dia, quando já não te encontrar em cada instante, em cada hora,não irei negar isso.
Não irei negar nunca que te amei.
Nem mesmo quando estiver deitado, nu, sobre os lençóis de outra e ela me obrigar a dizer que a amo antes de a foder.

José Luís Peixoto