domingo, 26 de abril de 2009

Prenúncio

De ser o som do amor tão enleado
em cristalinas veias,
em palavras suaves, em recantos
que são gestos bem vivos e são letras
de irradiante lume,
havia este destino que era um lábio
a arder na vastidão de descobrir
o lugar onde ardia este esperar-te.

João Rui de Sousa

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Nós de nós

De esperas construímos o amor intenso e súbito
que encheu as tuas mãos de sol e a tua boca de beijos.
Em estranhos desencontros nos amamos.
Havia o rio mas sempre ficávamos na margem.
Eu tocava o teu peito e os teus olhos e, nas minhas mãos,
a tarde projectava as suas grandes sombras
enquanto as gaivotas disputavam sobre a água
talvez um peixe inquieto, algo que nunca pudemos ver.
As nossas bocas procuravam-se sempre, ávidas e macias
E por muito tempo permaneciam assim, unidas,
Machucando-se, torturando as nossas línguas quase enlouquecidas.
Depois olhávamo-nos nos olhos
No mais profundo silêncio. E, sem palavras,
Partíamos com as mãos docemente amarradas e os corações estoirando uma alegria breve
Quando a noite descia apaixonada
Como o longo beijo da nossas despedida.

Joaquim Pessoa

terça-feira, 14 de abril de 2009

Sem Título e Bastante Breve

Tenho o olhar preso aos ângulos escuros da casa
tento descobrir um cruzar de linhas misteriosas, e
com elas quero construir um templo em forma de ilha
ou de mãos disponíveis para o amor....

na verdade, estou derrubado
sobre a mesa em fórmica suja duma taberna verde,
não sei onde
procuro as aves recolhidas na tontura da noite
embriagado entrelaço os dedos
possuo os insectos duros como unhas dilacerando
os rostos brancos das casas abandonadas, à beira mar...

dizem que ao possuir tudo isto
poderia ter sido um homem feliz, que tem por defeito
interrogar-se acerca da melancolia das mãos....
...esta memória lâmina incansável

um cigarro
outro cigarro vai certamente acalmar-me
....que sei eu sobre as tempestades do sangue?
E da água?
no fundo, só amo o lodo escondido das ilhas...

amanheço dolorosamente, escrevo aquilo que posso
estou imóvel, a luz atravessa-me como um sismo
hoje, vou correr à velocidade da minha solidão
Al Berto

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Ás vezes

ouço passar o vento;
e só de ouvir o vento passar,
vale a pena ter nascido.

Fernando Pessoa

O destino

plantou-me aqui
e arrancou-me daqui.
E nunca mais as raízes
me seguraram bem em nenhuma terra.

Miguel Torga